Segunda-feira, 28 de julho de 2014
Última Modificação: 27/08/2018 19:17:24 | Visualizada 172 vezes
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Governo federal se livrou de um “problema” e arrecadação de impostos é maior do que o valor aplicado em obras nas outras BRs do estado
A criação do sistema paranaense de pedágio, há 17 anos, se transformou em um negócio lucrativo para o governo federal. Ao ceder a gestão de rodovias que estavam em condições precárias, como a BR-277, abriu mão de aplicar dinheiro para recuperá-las e conservá-las. Além disso, arrecadou R$ 2,5 bilhões em impostos no período. Por ano, aproximadamente R$ 300 milhões da receita do pedágio vão para a União na forma de tributos: é mais do que o governo federal destina para cuidar das outras BRs que continuam sob gestão pública no Paraná.
Em 1997, quando foi elaborado o chamado Anel de Integração, o governo federal concordou em ceder a gestão dos 1,8 mil quilômetros de BRs sem cobrar nada por isso e sem prometer que o dinheiro que deveria gastar nas rodovias seria aplicado em outro setor. Uma conta aproximada revela quanto a União deixou de aplicar nas estradas “emprestadas” ao sistema de concessões. Ao longo de 17 anos, seria preciso fazer ao menos duas restaurações nas vias. Ao custo estimado de R$ 1 milhão por quilômetro, seriam necessários R$ 3,6 bilhões.
Para fazer a manutenção periódica dos trechos, a despesa é estimada em R$ 60 mil por quilômetro, por ano, totalizando R$ 1,8 bilhão no período. A soma de gastos potenciais (restauração + conservação) chega a R$ 5,4 bilhões. O valor desconsidera investimentos em novas obras, como duplicações e viadutos, e não contabiliza gastos com projetos de engenharia ou sinalização.
Argumentos
É importante destacar a lógica apresentada por defensores de sistemas de concessão pública: governantes alegam não ter recursos para fazer investimentos altos e deixar adequada a estrutura necessária para o desenvolvimento econômico e social. Além disso, ao ceder a gestão para a iniciativa privada, quem paga pelo uso do serviço é apenas quem realmente o utiliza. Em tese, a estratégia deveria fazer sobrar mais dinheiro para aplicar em serviços públicos que atendam um número maior de pessoas, como saúde, segurança e educação.
Além do que deixou de gastar com as rodovias, o governo federal também ganhou uma nova fonte de receita com a implantação do pedágio no Paraná. Sobre o montante arrecadado com o pagamento de tarifas incidem tributos, como PIS, Cofins e Imposto de Renda. O valor arrecadado nos últimos 17 anos, corrigido pela inflação, soma R$ 2,5 bilhões. O cálculo leva em consideração apenas os impostos diretos, aplicados sobre o pagamento da tarifa, sem colocar na conta o efeito em cascata, como os tributos pagos por quem presta serviços para as concessionárias.
Só em 2013, foram R$ 323 milhões em tributos federais provenientes do pedágio no Anel de Integração. Já o valor aplicado em obras nas demais rodovias federais (não pedagiadas) chegou a R$ 304 milhões, conforme o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit). O montante dos impostos ultrapassa a despesa em investimentos e recuperação nas estradas sob a responsabilidade do governo federal ao menos nos últimos quatro anos. Não há nenhuma lei (vinculação) que obrigue o governo federal a aplicar nas rodovias o dinheiro que foi arrecadado com tributos sobre o pedágio.
Ônus político ficou com governo estadual
Quando o Anel de Integração foi constituído, em 1997, o governo do Paraná abriu mão da gestão direta de um número bem menor de rodovias: 700 quilômetros. Tal qual ocorreu com o governo federal, também deixou de gastar com a recuperação e conservação das estradas estaduais, além de não fazer novos investimentos naquelas rodovias.
Mas o governo do Paraná ficou com o ônus político. A polêmica que envolve o pedágio no Paraná afeta diretamente o governante de plantão no Palácio Iguaçu. Além disso, precisou destinar recursos financeiros e de pessoal para montar uma estrutura de administração do sistema, principalmente com engenheiros e advogados.
Imposto
Não há um imposto estadual que incida sobre a receita da tarifa. De forma indireta, o pedágio resulta em mais tributos arrecadados pelo governo estadual, já que rodovias em condições adequadas movimentam a economia do Paraná, rendendo mais Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), principal fonte tributária da administração estadual. Também há uma taxa recolhida pelas concessionárias com o nome de Pagamento ao Poder Concedente, que representa cerca de R$ 25 milhões ao ano, para manter o sistema de fiscalização e ajudar a equipar a polícia rodoviária.
Sem concessão, investimento não viria
O contexto político e de infraestrutura da época da formação do Anel de Integração, em 1997, faz parte do trabalho do pesquisador Sivaldo Forteski, que defendeu, em julho, uma dissertação de mestrado sobre o assunto na UFPR. “É uma política que se pode questionar, mas foi a única que teve. Nenhuma grande obra foi realizada fora das concessões desde então”, comenta.
Ele concorda que os governos federal e estadual “economizaram” ao deixar de aplicar recursos públicos na recuperação de rodovias, mas acredita que não haveria destinação de dinheiro, no período, que seria necessária para oferecer condições adequadas de infraestrutura. “A lógica é: deixa deteriorar até o final para justificar a concessão”, diz. Forteski reforça que o governo federal também não fez grandes investimentos em outros estados e que a estratégia de abandonar as obras públicas não ficou restrita à área de transporte.