Terça-feira, 24 de março de 2015
Última Modificação: 27/08/2018 18:55:22 | Visualizada 156 vezes
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A doença já havia tirado a vida de dezenas de pessoas e se espalhava para os países vizinhos. Nos 12 meses seguintes, o vírus mataria mais de 10 mil pessoas não só na Guiné, mas na Libéria e também em Serra Leoa.
O número de mortos agora está caindo ─ mas ainda está longe do zero.
Seja como for, a ameaça viral deixou sua marca permanente no mundo. Ela teve impacto profundo nos hábitos sociais da África Ocidental e na forma como autoridades de saúde lidam com epidemias.
O ebola se baseia na intimidade da interação social para assegurar sua contínua sobrevivência ─ o vírus é transmitido por meio do contato com fluidos corporais em indivíduos infectados.
Isso significa que as pessoas que cuidam dos doentes são os mais vulneráveis à doença.
O mais simples toque humano ─ um aperto de mãos ou um abraço ─ foi imediatamente desencorajado nos três países afetados. A tradicional saudação de estalar de dedos da Libéria acabou banida.
E o modo de dizer o último adeus também. As cerimônias de enterro foram rescritas e práticas comuns em funerais ─ como lavar os corpos dos mortos ─ banidas.
Agora, resta a uma família esperar a chegada de uma equipe de agentes vestidos em trajes que se assemelham a astronautas para levar os corpos embora da maneira mais digna possível sob essas circunstâncias.
No ápice do surto, comunidades inteiras tiveram de se submeter a quarentenas. E em algumas em Serra Leoa, até o Natal foi cancelado.
O impacto a longo prazo da doença para as tradições sociais ainda não é conhecido. Psicólogos estão preocupados que as suspeitas de que outras pessoas carreguem consigo o vírus mortal ainda demorem para desaparecer.
Em contrapartida, se os temores com a doença desaparecerem muito rápido, isso colocaria em risco os esforços para limitar os casos restantes de infectados.
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Na medida em que a crise se aprofundou, Serra Leoa, Libéria e Guiné fecharam suas escolas. Uma geração inteira de crianças terá perdido seis meses de aulas. Um levantamento feito pela ONG Global Business Coalition for Education estima que até 5 milhões de estudantes tenham ficado em casa durante o período.
E muitos provavelmente jamais retornarão às escolas, destaca a pesquisa.
O risco de as crianças serem forçadas a trabalhar também aumenta à medida que as famílias contam com os membros que sobreviveram à doença letal para colocar dinheiro e comida na mesa.
Resposta lenta
Cientistas acreditam que a primeira pessoa a sucumbir à doença nesse surto tinha dois anos de idade. O episódio ocorreu em uma parte remota da Guiné. Mas levou três meses para a OMS declarar oficialmente o surto e cinco outros para anunciar que se tratava de uma emergência de saúde pública.
Muitos acreditam que o mundo reagiu tarde demais à doença.
A OMS admite que foi muito lenta e concorda que a organização precisa mudar.
Margaret Chan, diretora-geral da OMS, afirmou durante uma rara reunião de emergência em janeiro: "O mundo, incluindo a OMS, foi muito lento em observar o que estava se desenrolando aos nossos olhos".
Ideias sobre como prevenir que algo parecido possa acontecer de novo incluem a criação de um fundo dedicado a emergências e a criação de uma força de trabalho de rápida resposta.
Mas os detalhes dessa iniciativa ainda têm de ser discutidos. Haverá médicos de prontidão caso um novo surto ocorra? Haverá equipes de socorro próximas aos focos potenciais da doença para combatê-los e evitar, assim, atrasos desnecessários?
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Vacinas e drogas frequentemente levam mais de uma década para serem desenvolvidas. Mas uma decisão sem precedentes da OMS para apoiar o uso de drogas até então pouco testadas, acompanhada de uma colaboração única entre cientistas, organizações de saúde pública e laboratórios farmacêuticos, resultaram em testes sendo feitos em uma questão de meses.
As vacinas já estão sendo aplicadas de forma experimental nos países mais afetados. Nunca antes o mundo viu remédios relativamente pouco testados sendo usados nessa escala.
Enquanto nenhuma dessas drogas havia se provado efetiva em grandes populações, o processo foi acelerado a uma inédita velocidade.
Isso levanta questionamentos sobre se remédios para outras doenças poderiam ser fabricados de forma mais rápida, especialmente se acadêmicos, políticos e cientistas fossem encorajados a trabalhar juntos de novo.
E a inovação não para nos tratamentos. Um grupo de voluntários da área tecnológica recentemente se uniu ao Google e à ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF) para desenvolver um tablet à prova de ebola.
O dispositivo pode ser mergulhado em cloro para matar o vírus, resiste a tempestades e não requer um fornecimento contínuo de eletricidade.
Há esperança de que esses aparelhos possam ser usados em outras situações críticas – desde surtos de cólera a campos de refugiados.